Talvez muito
tenha se falado sobre pessoas que não se enquadram, eu particularmente li pouco
ou quase nada, por acaso ou sua falta. Se falamos de falta, como o título diz,
me remeti logo a Heidegger, pois muito tempo depois, por vias não lineares,
finalmente posso entender a representação nadificante do nada.
Acabei
dizendo que era anarquista de forma definida naturalmente, pelo meu não-lugar,
porém o anarquismo também tem um lugar, que não concordo, justamente por estar é que ele se anula, pois existem
coisas que afirmando-se anulam-se e vice-versa, como é o caso do nada. O anarquismo
é uma espécie de nada, por isso conceitualmente digo que o anarquismo que
existe deve ser espiritual e não aquele que vai na prateleira da política.
Quando
flerto com o existencialismo é porque ao identificar sua origem em Kierkegaard expressa-se
claramente as aproximações estéticas que este expunha em seu filosofar do qual
dialogo, portanto, segue-se mais como um modo de ver que propriamente uma
aderência de estilo filosófico, pois se assim fosse talvez eu seria mais um
partidário de Sartre. Isso é o mesmo que ocorre, por exemplo, quando Karl
Valentin diz que Kant falava dele, mesmo que o texto em questão fosse escrito
anos antes; acontece que ao saber que ele se referia à uma espécie de
hipocondria, uma força mental que toma todo o corpo, acabei me incluindo nesta
anulação espaço-temporal ao afirmar que eu sou Karl Valentin.
Kant
dizia que este “doente” assemelha-se ao louco, e o que vem a ser o louco? Todos
já devem ter lido a História da loucura
e imagino que saibam melhor do que eu sobre o assunto, por isso vou seguir no
meu estilo livre e me dar o direito de delirar. O louco está separado, não vou
entrar nos requesitos morais implicados em tal situação, e sim quanto ao grau
de separação que sofre este hipocondríaco, ou até poderíamos listar outros
fatos à enquadrar um individuo, mas será que nos interessa seguir com estas
nomenclaturas sem embasamento? Daí que eu gostaria de recorrer à Patafísica,
mas minha patafísica não é dadaísta e sim pós-moderna, e enquanto o mundo de memes impõe uma nova moral vexaminosa como escape do politicamente
correto, prefiro me isolar mais uma vez.
A
cultura atual do internetês gera uma
genealogia de equívocos do qual partimos à formar a sociedade do equivoco,
quando porém, pensa-se a “inovação” - termo aderido do marketing-, e utiliza-se
da construção equivocada para instituir uma revolução ao modo do século XIX,
tem-se na manutenção do equivoco o filho do que acusava Debord na sua Sociedade do espetáculo, o que me faz
mais uma vez fugir de qualquer enlace às superficialidades contemporâneas.
Meus
livros não são aceitos por editoras, esta pressão à metodologia e às regras
muitas vezes põe em dúvida meu ser no
mundo quando esqueço-me de a quem ele pertence, aos idiotas (vide Nelson
Rodrigues, ou Ibsen), mas a questão é, se há tantos idiotas em destaque o que
fazer? Chego a ser tão idiota a ponto de não conseguir ser um. É aqui que entra
a loucura e seu isolamento de nível externo como resposta ao interno visto nos
marginais de outrora, mas não os marginais oficiais, estes são produtos de
prateleira. Lembrando que os mortos (portanto representações da ausência na
sociedade do espetáculo) sempre são produtos de prateleira, mas eu não quero
ser Van Gogh e não me refiro ao isolamento causado pela loucura, novamente, mas
pelo isolamento da obra em vida.
O
deslocamento de alguém perante a massa e seus inúmeros segmentos regrados é que
compreende o espiritual anarquista, pois este pertence à ausência de estado,
sendo o estado alheio sempre, o que ocorre é que a nomenclatura “anarquia” torna-se
a representação nadificante, somente isso, o estar ausente, e seguindo agora no
melhor modo rizomático de quando podemos afirmar, “vamos às regras: não há
regras!” assim é que escrevo uma tese, um conceito, assim vivo. Melhor comigo
que com estados.
Tom
Zé diz que sua inventividade musical se deu pela deficiência, já devo ter me
referido a esta tese alguma vez, mas creio que valha aqui, pois me incluo como
um deficiente mor, mas o que importa com esta tese é que ela implica uma
verdadeira condição de igualdade ética na sociedade, pois abre ao respeito
oriundo do não-estado, ou seja, não vem da imposição de um aparelho fabricado,
mas deve ser visto como proporcionado pela construção do conhecimento humano,
nisto a inclusão daquilo que surte efeito favorável à fluidez de uma sociedade autônoma
não mais automota. Evidente que a tese do poder nascida na proto-religião da
caverna virá novamente como causa, ou pelo menos uma das primeiras causas identificáveis
para tal enquadramento das coisas em sociedade, a propagação da técnica que
visa um fim formal que se pretende exemplo executável a fim de corroborar com a
genealogia e, portanto, propagação da glória, através de muitas opiniões, ou
seja, a realização desta sociedade pautada na doxa faz com que a origem seja inquestionável, pois a raiz se
pretende agente invisível para frutos e sementes que irão dar continuidade ao
ciclo, mas a construção humana não é natural, e portanto, construir o
conhecimento é criar, isto implica diversidade e desvio. Quem definiu a forma
ideal? Platão vem para propagar a mediocridade dos ideários para a sociedade
como réplica da natureza, mas este divino que instaura a sequencia lógica
baseada no sol também permite agora a nova possibilidade (já nem digo verdade)
que nasce do erro e do conflito, do qual Nietzsche e sua concepção
Dionísio/Apolo podem finalmente propor na experiência outra realidade da qual não
necessita qualquer fim lógico, mesmo porque nada se sabe sobre fim lógico entre
nossa espécie.
O
conflito de estar no mundo e não pertencer a ele como ensinava o amoroso
evangelista João, segue a lógica de estar entre idiotas sem tornar-se um, e de
pertencer à raiz que emana um DNA sem assumir as construções comportamentais da
tradição, porque é onde um Édipo tem a necessidade de matar conscientemente seu
pai sem ter qualquer interesse em encontrar qualquer mãe; e que isto possibilita
a descoberta dos pontos cegos, conflitos de angústia e prazer que jamais darão
ao status quo do poder conteúdo de doxa,
mas servem para a estranheza do ineditismo à expurgar do uno não mais modelos,
sóis e fins, mas apenas a existência do ser-aí.
A
criação (poiésis) tem um destaque no
ser-aí, por isso a Art brut tem mais
proximidade com não-estados e por isso eleve o estranhamento à necessidade de
uma prateleira da qual ninguém irá construir, novamente deixando a presença
nadificante no ar. O mercado e o poder do estado não podem ceder lugar a coisas
oriundas de não-estados a não ser por negação, ou seja como ausência da coisa. Pois
a falta de serventia do particular que se publica serve apenas para a
identificação, desenvolvimento e abertura para novas construções do
conhecimento humano de caráter poiético
e particular, mas que não podem agir aos estados de poder, sendo inclusive,
prejudicial a estes.
Quando
a necessidade construída pelos estados de poder nos faz colocarmo-nos nos
outros então realmente vamos ao inferno e lá sucumbimos entre quatro paredes flácidas
pela miragem no deserto causada pelo grande sol/Verdade que foi instituído a
todos, exceto aos cegos, neste caso aos loucos de hospício sem diagnósticos
falsos. Como já não existem hospícios, eu o transformei também numa
representação nadificante para conceituar aos moldes mais imediatos uma ausência;
o não pertencimento inconsciente.
Voltemos
à consciência que investiga os não-estares
proclamados dos estados, mas dos quais estão
nos não-estados dos espíritos livres pois são estes que carecem de uma
sociedade reeducada horizontalmente para que possam viver. Quando se instiga
uma sociedade à autonomia por meio da investida no indivíduo, suas
particularidades e especificidades, não se pensa na propagação do instinto,
como podem pensar alguns, mas justamente o oposto, para que o ser possibilitado
de manipular sejam níveis técnicos quanto instintos, encontre àquilo que é poiético, que vai ser expelido pela
força do conflito, pois foi tratado em angústia e prazer para somar ao
conhecimento humano não repetível mas exemplificável
às novas aberturas de possibilidades de se encontrar. Assim o uníssono da
espécie se dá não pelo uníssono formal que é estado, portanto, externo, mas
espiritual que é interno e implica especificidade de espécie, materializado no
artificial, este como ideia nasce do uno pessoal, anulando assim a perfeição
vista de cima, pois todo circulo de perfeição é inédito, inclusive o natural,
portanto àquela verdade se oriundo do circulo natural não pode ser transferida
aos infinitos círculos artificiais, pois não cabe alteração de perfeição. Já a
construção do conhecimento não pertence a qualquer circulo, sendo assim rejeita
à noção de perfeição como propriedade que o compõe, sua finalidade é outra,
vindo como campo a possibilitar círculos, lembrando que com esta concepção não se
atribui juízo de valor sobre a perfeição, de modo a definir coisas como bom ou
mau, ficando isso à outra matéria.
Aí
alguns concluiriam que vários círculos poderiam ser abarcados por outra
concepção global de perfeição, mas não, a perfeição encerra-se nela mesma, não pode
ser concebida como peça de conexão, é apenas círculo. Então outra questão...
isso como noção à sociedade pode ser prejudicial por de alguma forma manter o
conflito? Sim, mas lembrando que para a espécie não, sendo a espécie mais
importante que a sociedade, o risco que corre a sociedade - que é algo
construído sob valores, e que se dispôs pelo externo, ao imputar
artificialmente um círculo que corresponda à perfeição ele está querendo
fabricar a perfeição, o que é incongruente, pois o estado perfeito é quadrado e
não um círculo, afirmação absurda, como a própria ideia que a gerou – então de
qualquer forma este risco é irrelevante diante do fato de prejudicar a espécie,
que teve sua potência alterada pela construção de conhecimento defeituosa pela
exterioridade com seus interesses de poder, na tentativa de uniformização que
tem valor de origem, ou seja, genealógico.
Se
o poder de um idiota adestrou idiotas com menos conhecimento, não quer dizer
que ainda hoje devamos aceitar que o mundo em que indivíduos habitam seja ainda
a transferência de valores externos, por isso que destruir qualquer pequeno
totem que encontramos no caminho é uma maneira de propiciar à espécie humana
noções que valham à mesma como condição de proporcionar lugares a todos, não pela
dialética do materialismo, mas do espírito.
Diego Marcell
26-7-2016
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