27.10.17




            Estou triste, acabo de ver o vídeo de uma idosa sendo agredida na rua, talvez por seu filho, isso só desencadeia uma série de outras tristezas referentes aos seres de minha espécie, os únicos de fato que podem ter sua crueldade com peso extremo na balança da justiça desestabilizar tudo que os cerca.
            Talvez eu esteja emotivo por estar doente, mas talvez eu esteja doente por estar emotivo. Choro pelos idosos que merecem minhas lágrimas, pelas crianças que merecem minhas lágrimas, pelas pessoas na miséria que merecem as lágrimas de quem tem de fato algo a sentir.
            Não assino campanhas publicitárias para salvar o mundo. Não estampo altruísmos na camiseta como slogan de bondade. Apenas sinto. Não hasteio bandeiras, não sou adepto de causas comunitárias, não sou vegano. Apenas sinto. Apenas tenho relações. Nada de pré-determinações, comportamentos programados; apenas sinto, sinto as pessoas, sinto as que convergem não pelo que falam, pelo discurso que emitem, mas como falam seja lá qual discurso que emitam.
            Me acusam de tudo sem provas, me interpretam mediados por valores que não reconheço mais como ditames. E num mundo onde todos querem ser a nova boa alma do ocidente, com tanta meditação e consultas ao analista, por continuarem todos mediados pelos antigos valores, jamais sairão do lugar. A autoajuda é o sepulcro caiado contemporâneo, são os placebos do consumismo. A verdade é que não há qualquer respeito, qualquer tentativa de entender o outro, não há qualquer aderência ao bom funcionamento, somente porque aquele que propõe é um outro, não há humildade na ignorância.
            Certa vez nos ofereceram um gato. Queríamos um gato talvez. Mas moramos numa comunidade, na época em quatro pessoas, por educação à esta comunidade que já possuía suas dificuldades pela diversidade cultural de sua composição, achei que não seria saudável a ninguém em amplos sentidos, termos este morador felino. Sabe por que a diversidade causa tanto problema? Porque as pessoas querem exercer a sua particularidade que julga inofensiva, mas não quer que o próximo exerça a dele, ou seja, as pessoas não acreditam na diversidade, acreditam apenas no que seu mundo reconhece como verdade.
            Fato é que as pessoas andam mal, mal da cabeça. Muita luz, muito audiovisual, muito fragmento e nenhum conhecimento do conteúdo, não era isso que acusava Lyotard?
            As mentes problemáticas que não reconhecem seu problema tendem a foder o que esteja em seu raio. Uma mente problemática que não se reconhece transfere ao outro aquilo que ela deveria resolver. Se o outro fez algo bom, ela dirá que tal feito é mérito seu. Mas se ela causou algum dano, gerará para si um bloqueio e na primeira oportunidade encontrará um culpado.
            Nosso mundo de cultura foi construído no jogo de poder. Por isso é tão absurdo acreditarem que haveria uma justiça de igualdade. O grande problema não é este e sim quem são os exemplos que podem ser ouvidos. Quando uma mente que não se reconhece problemática quer impor-se e ditar regras qual mundo uma pessoa destas geraria? Provavelmente um sistema autoritário que só à favoreceria. Bastaria um signo de poder para que esta se achasse no direito de criar para si uma aristocracia. Mesmo que suas regras sejam absurdas, se este pequeno poder não fosse questionado - pois há uma massa passiva que quer apenas que a digam o que fazer – então este poder iria aumentando gradativamente, até que não houvesse mais conflito para esta, inclusive gerando serviçais que transformariam sua vida num estagnado receber. Aí eu pergunto: este aristocrata saberia dar amor a um gato?
            A mente humana é uma criadora de ilusões, graças a estrutura da linguagem, graças a atribuição de valor que ele acredita fielmente existir no signo, faz com que nossa espécie se entregue às bobagens e absurdos que ela mesma criou. Fazendo inclusive com que um homem agrida sua mãe em praça pública.
            Os limites da agressão estão desencadeados por nossa linguagem. Uma mente decodificou um código incompatível, mas existem mentes que geram códigos incompatíveis e querem obrigar outras mentes a aceitá-los. Talvez esses devessem ser punidos de alguma forma, talvez devessem ser isolados da presença daqueles que querem apenas viver na harmonia em busca de uma ausência de dor. Eles também buscam a ausência da dor, mas o problema é que eles acham que vão encontrar a ausência de dor na diminuição do outro, sobrepujando a existência alheia.
            O mundo de hoje, essa grande feira, onde tudo é negócio e onde tem tanta gente se formando nas novas áreas que no fundo não servem para nada. A crença nas especialidades. Mas e aquela mente problemática, dez anos frequentando os centros de saúde mental e nem um mísero gesto diário com seus pares? Eu diria com ênfase, troquem as terapias, as análises, os tratamentos pelo epicurismo! Mas duvido que certas mentes poderiam aderir ao epicurismo, quando suas naturezas são por demais insensíveis.
            Eu desejaria nunca ter magoado pessoas pelo simples fato de ser o que sou. Mas felizmente eu reconheço meus impulsos e hoje já não me banho mais no mesmo rio. Nesta altura do campeonato, talvez minha ausência da vida de certas pessoas seja a maneira de causar-lhes boas sensações. Talvez pra mim não. Pois eu só sinto. O fato de eu deixá-los, que seja demérito de ambas as partes, passado não há, se não há hoje, não há amanhã, se há uma lágrima contida, espera-se apenas a sua atualidade de ausência, um paradoxo que não se sabe como presenciar.
            A velhinha franzina que apanhava do gordo, tinha os dedos inquietos, os nervos tensos, ela sabia que havia uma frequência temporal para o tapa daquele monstro. Me pergunto, como pode uma pessoa aceitar vestir-se diariamente, sair da cama e experimentar aquilo mais um dia? Pode, graças ao poder da linguagem, os valores levados por esta linguagem que de alguma forma fazem com que se vivencie o sofrimento de forma passiva, é o niilismo negativo dito por Nietzsche. A esta hora você culparia alguém? Culparia das negligências dos outros que quiseram me imputar? Ou dos meus méritos que quiseram roubar? Ou das vacinas que eles jogaram no lixo? Não. Culparia então a natureza, com sua disposição ao erro? Seria inútil tal exercício. A verdade é que o caminho é o único professor, o ceticismo a única fórmula de medida e os gatos os únicos inocentes nisso tudo, já que segundo Rubem Alves, eles se contentam em serem apenas gatos. Portanto, não vestirei suas camisetas de gang, não obedecerei suas regras, não jogarei seus jogos.
E ninguém dirá a quem verterei.

Diego Marcell
27/10/2017

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