13.2.18

Improviso




Se tomo consciência do acaso por Sganzerla e Oiticica e, aderir a este elemento em minha produção como fundamental, hoje em meio ao caos produtivo em que desvendo a novidade pelo próprio descobrir, posso retornar a questões fundamentais desta poética construída por sua própria experiência: é o processo.
            Em Mil platôs Deleuze e Guattari escreveram que era necessário àquele próprio livro a estrutura rizomática de sua composição. Agora, se expresso essa informação aderida sem referenciar é porque faço de punho e de improviso. Certa vez escrevi que o improviso nasce do treino, neste caso, da assimilação conceitual causada pelo estudo. O faço por outra aderência conceitual, o da antropofagia de Oswald de Andrade. A melhor maneira de expressar este fenômeno a mim fornecido numa fala/performance de Luiz Fuganti, quando este explicava a alguém da plateia que suas citações eram desordenadas e não exatas pois tratava-se de uma criação ocorrida, justamente por esses meios, mente/fala. Aqui, esta citação que ocorre dele, faço da mesma forma, no sentido em que compreendo e resignifico. Passa a ser extensão de mim como organismo cibernético e este, adquiri de Donna Haraway.
            Uma das características da minha produção é justamente o diálogo constante com minhas referências, resignificadas ao meu universo, sendo assim, o texto passa a ser também em sua limitação a chance de transpor a mensagem e atentar a forma como valor não padronizado, por ser ele mesmo aqui e agora expressão performática sob técnica adquirida por treino e autoconhecimento, por isso improviso.
            Se opto por apresentar um trabalho que se mescla pelo hibridismo conceitual é porque sua recepção sofre justamente por sua estrutura chamar o público à quebra da norma, em vários níveis e por diferentes caminhos e apresentações.
            Assim eu posso tanto falar do ensino de arte como artista e posso falar das produções por outros suportes, mas da mesma maneira posso depositar sobre o texto um objeto acabado – por questões de mercado, academia e sistema de modo geral – tanto quanto de imanência.
            Enquanto a transcendência cabe à estrutura de poder, manifesto nas regras da ABNT; com a imanência eu cria a vida, mantenho a energia do que foi deglutido e a transformo e a arremesso no espaço, alterando a física e criando novo valor, sem juízo.

A maior parte das definições de performance põe ênfase na natureza do meio, oral e gestual. Seguindo Hymes, destaco a emergência, a reiterabilidade, o re-conhecimento, que englobo sob o termo ritual. A “poesia” (se entendermos por isto o que há de permanente no fenômeno que para nós tomou a forma de “literatura”) repousa, em última análise, em um fato de ritualização da linguagem. Daí uma convergência profunda entre performance e poesia, na medida em que ambas aspiram à qualidade de rito. Utilizo aqui esta última palavra despojando-a de toda conotação sacra. Entre um “ritual” no sentido religioso estrito e um poema oral poderíamos avançar, dizendo que a diferença é apenas de presença ou ausência do sagrado. No entanto, a experiência que tenho das culturas nas quais subsistem tradições orais vivas, leva-me a pensar que essa diferença não é percebida por aqueles partícipes dessas culturas. No caso do ritual propriamente dito, incontestavelmente, um discurso poético é pronunciado, mas esse discurso se dirige, talvez, por intermédio dos participantes do rito, aos poderes sagrados que regem a vida; no caso da poesia, o discurso se dirige à comunidade humana: diferença de finalidade, de destinatário; mas não da própria natureza discursiva. É verdade que, historicamente, o discurso ritual tem a tendência de perdurar em sua forma, de ser menos acessível que o discurso não sacro aos fenômenos de movência e de variação. Mas não é esse ponto (em nuances aproximadas) mais uma semelhança com toda a poesia – com nossa própria “literatura”?
     Tudo se passa como se a poesia tivesse, entre os poderes da linguagem, a função de acusar o papel performativo desta: performativo não equivale futilmente a performancial! No correr do tempo, e segundo os contextos culturais, essa convergência pode se achar parcialmente dissimulada, mas não é este o problema.
     Este se explica à luz de duas oposições de natureza muito geral, e tendo a ver com a função das formas de linguagem.[1]

Quero dizer com isso que a poièsis do corpo está presente na poesia (literatura ou simplesmente texto) como agente para mover o mundo pelo artista sendo este desprendido dos valores do sistema, pois torna-se agente do novo com seu amalgama principalmente nas casualidades da vida, tendo aí que improvisar, nascendo assim do acaso fenomênico novos valores para a existência de um todo.

Diego Marcell
24/12/17 – 14/02/18


[1] ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. Tradução Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: Cosac Naify, 2014. Pp. 47-48.

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