Se tomo consciência do acaso por Sganzerla e Oiticica e, aderir a este
elemento em minha produção como fundamental, hoje
em meio ao caos produtivo em que desvendo a novidade pelo próprio descobrir,
posso retornar a questões fundamentais desta poética construída por sua própria
experiência: é o processo.
Em Mil platôs Deleuze e Guattari
escreveram que era necessário àquele próprio livro a estrutura rizomática de
sua composição. Agora, se expresso essa informação aderida sem referenciar é
porque faço de punho e de improviso. Certa vez escrevi que o improviso nasce do
treino, neste caso, da assimilação conceitual causada pelo estudo. O faço por
outra aderência conceitual, o da antropofagia de Oswald de Andrade. A melhor
maneira de expressar este fenômeno a mim fornecido numa fala/performance de
Luiz Fuganti, quando este explicava a alguém da plateia que suas citações eram
desordenadas e não exatas pois tratava-se de uma criação ocorrida, justamente
por esses meios, mente/fala. Aqui, esta citação que ocorre dele, faço da mesma
forma, no sentido em que compreendo e resignifico. Passa a ser extensão de mim
como organismo cibernético e este, adquiri de Donna Haraway.
Uma das características da minha
produção é justamente o diálogo constante com minhas referências,
resignificadas ao meu universo, sendo assim, o texto passa a ser também em sua
limitação a chance de transpor a mensagem e atentar a forma como valor não padronizado,
por ser ele mesmo aqui e agora expressão performática sob técnica adquirida por
treino e autoconhecimento, por isso improviso.
Se opto por apresentar um trabalho
que se mescla pelo hibridismo conceitual é porque sua recepção sofre justamente
por sua estrutura chamar o público à quebra da norma, em vários níveis e por
diferentes caminhos e apresentações.
Assim eu posso tanto falar do ensino
de arte como artista e posso falar das produções por outros suportes, mas da
mesma maneira posso depositar sobre o texto um objeto acabado – por questões de
mercado, academia e sistema de modo geral – tanto quanto de imanência.
Enquanto a transcendência cabe à
estrutura de poder, manifesto nas regras da ABNT; com a imanência eu cria a
vida, mantenho a energia do que foi deglutido e a transformo e a arremesso no
espaço, alterando a física e criando novo valor, sem juízo.
A maior parte das definições
de performance põe ênfase na natureza do meio, oral e gestual. Seguindo Hymes,
destaco a emergência, a reiterabilidade, o re-conhecimento, que englobo sob o
termo ritual. A “poesia” (se
entendermos por isto o que há de permanente no fenômeno que para nós tomou a
forma de “literatura”) repousa, em última análise, em um fato de ritualização
da linguagem. Daí uma convergência profunda entre performance e poesia, na
medida em que ambas aspiram à qualidade de rito. Utilizo aqui esta última
palavra despojando-a de toda conotação sacra. Entre um “ritual” no sentido
religioso estrito e um poema oral poderíamos avançar, dizendo que a diferença é
apenas de presença ou ausência do sagrado. No entanto, a experiência que tenho
das culturas nas quais subsistem tradições orais vivas, leva-me a pensar que
essa diferença não é percebida por aqueles partícipes dessas culturas. No caso
do ritual propriamente dito, incontestavelmente, um discurso poético é
pronunciado, mas esse discurso se dirige, talvez, por intermédio dos
participantes do rito, aos poderes sagrados que regem a vida; no caso da
poesia, o discurso se dirige à comunidade humana: diferença de finalidade, de
destinatário; mas não da própria natureza discursiva. É verdade que,
historicamente, o discurso ritual tem a tendência de perdurar em sua forma, de
ser menos acessível que o discurso não sacro aos fenômenos de movência e de
variação. Mas não é esse ponto (em nuances aproximadas) mais uma semelhança com
toda a poesia – com nossa própria “literatura”?
Tudo se passa como se a poesia tivesse, entre os poderes da
linguagem, a função de acusar o papel performativo desta: performativo não equivale futilmente a performancial! No correr do tempo, e segundo os contextos
culturais, essa convergência pode se achar parcialmente dissimulada, mas não é
este o problema.
Este se explica à luz de duas oposições de natureza muito geral,
e tendo a ver com a função das formas de linguagem.[1]
Quero dizer com
isso que a poièsis do corpo está presente na poesia (literatura ou simplesmente
texto) como agente para mover o mundo pelo artista sendo este desprendido dos
valores do sistema, pois torna-se agente do novo com seu amalgama
principalmente nas casualidades da vida, tendo aí que improvisar, nascendo assim
do acaso fenomênico novos valores para a existência de um todo.
Diego Marcell
24/12/17 – 14/02/18
[1] ZUMTHOR,
Paul. Performance, recepção, leitura. Tradução Jerusa Pires Ferreira e Suely
Fenerich. São Paulo: Cosac Naify, 2014. Pp. 47-48.
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