Para construir tal forma para a
linguagem performática sob técnicas específicas de áudio e vídeo, ainda que não
findadas, foi preciso a argamassa conceitual para unir acaso e valores através
do eu como artista propositor; por isso fui atrás dos materiais produzidos na
década passada, que apesar de muito “naif”, já carregam a potência do que
permanece, justamente por presenças estéticas de assimilação pessoal muito
antigas, como questões da década de 1980, quanto o ainda pouco que assimilei na
época sobre Hélio Oiticica e o cinema marginal, o cinema novo, e questões mais
undergrounds, assim como o punk (e o cyber punk muitas vezes).
Apenas para registro (já que não os
considero necessariamente dignos de serem admirados) irei citar alguns
acontecimentos deste processo até que enfim se chegasse a questões mais claras
para a obra atual.
Primeiramente com um tipo de cinema
experimental Memórias do Meu Mundo[1] (2007) e
Zona Nula[2] (2016) trazem
as mesmas questões do acaso e da intervenção urbana pela proposição ficcional,
algo que pode ser melhor atentado num relatório[3] sobre os
anos de 2005/2006 como que introdução do que almejo como artista nos dias de
hoje.
Para se chegar a questões mais
próximas às artes visuais, porém, percorri muito que sem guia estradas escuras.
Com equipamentos muito limitados, realizei, por exemplo, um vídeo onde eu
tentava justamente expor certas referências do cinema marginal e do cinema
nacional mais antigo de modo geral, que também sofriam com o mesmo problema, o
qual chamei de O personagem careta do filme[4], mas o interessante
é que as mesmas referências presentes no texto deste vídeo também permanecem na
minha obra atual, inclusive quando cito a persiana e dez anos depois sigo
realizando um trabalho de vídeo com persianas; além é claro de toda questão à
urbanidade e Blade Runner presentes, que pode inclusive ser visto em outro
vídeo totalmente diferente como estrutura, mas que se faz lembrar: Blade Runner
contra o Cogumelo Mágico[5], onde o
título me remete ainda à O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil.
Entre 2008 e 2010 realizei então
muita coisa em fita mini dv, onde havia uma investigação por um tipo de cinema
que entrasse cada vez mais na realidade, algumas produções mais curtas como
Vamos ao jazz[6]
e outras tantas que nem cheguei a digitalizar, mas que eu inicio uma pesquisa
de utilização da fita como regra mais importante de controle para qualquer
acaso, onde eu deveria dar uma linha de proposição a tal fita e ir utilizando
ela com amplitude de possibilidades até formar um longa-metragem, nisso eu
tentava conceituar um cinema que eu chamava de Modertrô[7] já baseado
num livro que começo a escrever em 2004 e encerro por volta de 2009, que é
justamente um texto-performance (sem que na época eu tivesse ideia disso), em
que por ele eu investigo questões estéticas, conceituais e formais também como
autoconhecimento. Anos mais tarde, ao ter conhecimento de Antonin Artaud e
Peter Brook, por exemplo, se trabalham essas proposições com mais facilidade,
como no caso de Conveniência 24 horas[8], mas até
lá, meu processo por viés hibrido se dá meio lentamente.
Em minhas explorações solitárias com
tinta, comecei a inserir o dialogo videático
também, no que chamei de Vídeo crazy[9], mas já
eram pensamentos muito mais híbridos, sendo que minha primeira arte foi a
poesia, vê-se as ligações com coisas que já me chamavam muito a atenção quando
eu assistia a programação do Sesc TV da época, em que haviam os programas de
artes visuais, vídeo e dança, onde algumas referências voltam, por exemplo,
neste vídeo realizado na faculdade de artes visuais chamado De Ionesco a Tadeu Jungle[10] e neste
caso, todavia, já vinha trabalhando com uma ênfase grande sobre o áudio, pois
consta do ano anterior o primeiro registro de audioperformance. Mas ainda
tratando da década passada, mais ou menos na época dos “Vídeo crazy”, realizei
umas intervenções de stickers pela cidade com minha irmã, em que eram umas
tiradas um pouco surreais, mas pouco presentes no interior, em que mantive
algum registro em vídeo[11], porém
essas questões da intervenção urbana com a performance vão tomar corpo
realmente com o Trípolo Art[12], composto
por mim, Raquel Zanini e Sandro Consul, mas sempre com a presença de mais
amigos; ao chegarmos em Curitiba em 2011 começamos a produzir vídeos
intervenções em museus e espaços público, algo que se prolongaria por uma vasta
série de produções diversas, inclusive sobre a já citada ficção Zona Nula.
Ocorre aqui justamente a aproximação
do acontecimento como intervenção pela performance, como em GodArt[13], GodArt 2[14] (inclusive
sendo GodArt 2 um dos disparadores principais para Zona Nula) e Balão poema[15], assim como
num ato com Joe Homeless em Samba de argentino[16], porém
existe muito material do trio desde 2012 ainda a ser finalizado, onde as
intervenções ocorrem com maior ou menor intensidade no ambiente público e com
diferentes abordagens, inclusive em outras cidades como Florianópolis e
Balneário Piçarras.
Mas a questão da videointervenção ainda viria a ocorrer mais uma vez
comigo e Sandro Consul, mas já em minha fase Androide. Entre os anos de 2014 e
2015 estive muito imerso pela ficção científica tanto do cinema quanto da
literatura, lendo muito Willian Gibson e Philip K. Dick, mas também estudando
Donna Haraway, Nietzsche e Deleuze e Guattari, essa junção formou muito da
minha concepção atual, mas principalmente nesta época em que eu estava
trabalhando um performer ainda persona baseado numa questão androide. Escrevi
uma peça de teatro curta sobre o tema, fiz um caderno de processo que
finalizaria na ideia de uma instalação relacional, mas também foi nessa época
que fiz três álbuns sonoros, dos quais o primeiro Trilha sonora para filmes de
ficção cientifica[17] eu tinha
como objetivo criar vídeos para cada uma das 9 faixas, o que não foi possível
pela falta de recursos.
O primeiro, porém, é de fato uma videoperformance pensada como tal pelo
Trípolo Art, sendo aqui conscientemente o ato de performance do vídeo como eu
dizia na época, mas que é quando sujeito e objeto imbricados formam o fenômeno em
si, dessas investigações iniciais sobre o conceito ainda em 2013 onde já havia
iniciado a produção de alguns sons, surge então Cyber existencialismo[18].
Tentando construir uma narrativa, com a ajuda de Raquel Zanini fazemos o
segundo vídeo da série O cigarro do androide[19]. E seguindo
a tradição das videointervenções, juntamente com Sandro Consul fazemos o
terceiro e último da série filmado no Museu de Arte Contemporânea de Curitiba:
Sai fai[20].
Em 2005 fiz um curso intensivo de
cinema na então curitibana Academia Internacional de Cinema, depois realizei um
curso de fotografia, que me deram certa base técnica, mas só a partir de 2012
comecei a pensar certas produções pela questão mais cênica do fenômeno in loco,
pois quando fazia um curso técnico de produção de áudio e vídeo tínhamos
proximidade com o curso de artes dramáticas da mesma instituição, que me
permitiu pensar outras relações artísticas, foi nesta época que escrevi minha
primeira peça de teatro, composta de cinco quadros sem relação linear uns com
os outros, mas que neste momento foi muito influenciada pelo existencialismo,
por minhas leituras da época serem principalmente Heidegger, Espinosa e Sartre.
Com Trilha sonora para filmes de ficção científica, além de pensar em fazer uma
espécie de audiovisual linear (quase todas as músicas do álbum acabaram sendo
trilha sonora do Zona Nula), também me veio a ideia de construir uma peça, um
teatro físico, o qual ainda pretendo elaborar. Algo que ocorreu semelhante com
o álbum de 2015 Trilha das Noites[21] foi que
recentemente escrevi um happening (até a presente data, não executado) para ser
feito sobre este.
Entre estes dois consegui produzir
outro álbum, um pouco mais “pop”, pois já possui vocal, chamado Violetas
sintéticas[22]
(referência clara a 1984 de George Orwell) em que a primeira música Doc 3[23] que passou
por várias versões, iniciou com uma base que criei e chamei de “Cor 90”, enviei
para o Nano Gontarski e este desenvolveu a sonoridade sobre esta, depois eu
criei a letra e fiz o vocal. Com Dança pós-moderna[24] que
consegui um resultado mais satisfatório sozinho do que almejava, muito inspirado
também por Fausto Fawcett tentei fazer essa ficção funkeada. Outro detalhe importante
é que as imagens usadas nestas duas últimas músicas citadas são de um ensaio de
fotoperformance do Trípolo Art realizado em 2014.
A última música do álbum, Das moda[25] foi a que
surgiu mais ao acaso e rápida, e por tratar de questões mais efêmeras, apesar
da clara citação à História do olho de Georges Bataille, resolvi fazer o vídeo
usando também uma estética que eu andava bastante interessado na época, sob
influência do Tumblr, vaporwave, retrôwave e similares, ouvia muito synthpop
também e eu queria fazer uma experiência com Chroma key.
Ultimamente me interessam os valores
a serem transmitidos pelo artista, no sentido que a verdadeira arte deste está
nos valores que ele cria, é a criação de existência da qual fala Nietzsche. Meus
estudos atuais estão envoltos de budismo e filosofia grega antiga, epicurismo,
ceticismo e os cínicos, justamente por tratar da horizontalidade, os aspectos
rizomáticos propiciados pelo mundo contemporâneo, mas necessários de reconhecimento
pelo indivíduo, para a quebra dos sistemas de poder.
Ao estudar os Escritos de artistas[26] encontro
muita da proximidade conceitual e estética que me interessam e que vejo ainda necessários
de serem explorados, como neste vídeo em que adaptei o texto de Yves Klein,
Martial Raysse e Arman, Os vampiros da sensibilidade[27].
Atualmente meus processo de
videoperformance envolvem uma aproximação com Vito Acconci e Andy Warhol, mas
os valores que me instigam são muito mais da sensibilidade elevada à questões talvez
deixadas pelo mundo cada vez mais pasteurizado pela produção de massa, assim o
jazz, a moda e o bushido me inspiram a produzir arte, inclusive reavaliando questões
contemporâneas como a selfie[28] e o funk
brasileiro[29],
por exemplo.
Diego Marcell
16 de fevereiro
de 2018
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